Próximas as parcas terras das famílias. Desde a meninice, por vezes se viam. Igreja, festejos do lugar. Pouco se falavam. Mais os olhos se encontravam.
Ele, perto dos trinta, com lonjuras das farras, bons modos, trabalhador, já adquirira seu rancho, onde, para si e alguma venda, criava e plantava, garantindo o sustento.
Ela, perto dos vinte, de beleza discreta, tímida e arredia, de pouca conversa. Preparada em todo tipo de prendas de casa e serviços na roça.
Os pais nutriam antiga e sólida amizade. As famílias faziam gosto na união.
Com incentivo dos mais velhos, o arranjo para casamento. Festa simples, na alegria da família e amigos e hesitante contentamento dos noivos.
Sobre a carroça, ele a levou de branco, para o rancho. Ela receosa, entre submissa e esquiva, mais apreensiva do que feliz. Por alguns dias, ensimesmados enlevos, aflitos folguedos. Poucos arroubos. Pouco à vontade.
Depois, esmorecimento, casmurros afastamentos. Ele se acomodava de um lado da cama. Ela do outro. Nem se tocavam.
Primeiras semanas, falta de casa, saudades dos seus. Pesadelos. Acordava assombrada. Cuidadosa, encostava-se nele. Uma pedra. Retornava a seu canto, encolhida até novamente adormecer.
Cedo se levantavam para a lida. Ele cuidava dos poucos animais, encarregava-se da plantação e colheita. Dia ou outro, conseguia um peixe no riachinho que cortava o rancho. Por vezes saía para vender a produção e comprar o que mais precisassem. Ela nas tarefas domésticas, cuidados com as flores e com as galinhas. Sentia-se menina a sair pelo terreiro à procura dos ovos. Em alguns dias, ajudava-o na lida com a terra.
A mesa era simples, porém farta; preparo com esmero, do que ali mesmo se produzia.
Era dura e comprida a rotina diária. Não reclamavam. À noite, exaustos, cedo se deitavam. De um lado e outro da cama. Anos se passaram. Viviam em paz. Amena, respeitosa e taciturna relação.
Após um dia cinzento, na noite fria, de quarto minguante, perdera o sono. Olhava para o teto, ensimesmada. Ele se moveu na cama, rolou para o lado oposto. A mão dele tocou a dela. Despertou. Tocou-lhe a coxa. Brasas reacenderam. Labaredas subiram. Redescobriram-se, noite adentro. Como nunca fora nas semanas primeiras.
Madrugou lua cheia, céu estrelado. Antes que amanhecesse, o sol iluminou todo o rancho. Verdejou a roça recém-plantada. As onze-horas desabrocharam às seis. O galo cantou o dia todo. Os dois corriam pelo terreiro, em risadas e brincadeiras. Bem-te-vis e sabiás faziam-lhes coro sem cessar...
Lilia Souza é escritora ocupante da cadeira n° 33 na Academia Feminina de Letras do Paraná
Esse conto de Lilia é sensacional, pois faz refletir sobre as diversas faces do amor. No conto, em nenhum momento, há uma falta de respeito, de equívocos. Pelo contrário, tudo era, inclusive a relação física, superado em nome da lida, do sonho de tornar tudo aquilo um lugar para os seus. Até que um dia tudo mudou... Sempre muda. É só esperar.
Inspiração para vivenciarmos a plenitude no agora!