ANA MARIA
Ana Maria,
a falar muito, da dor, de amor,
da vida e do desfazer acasos.
Projetar à risca, um acertar compasso,
no passo, é preciso…
caminhar adiante, sem esquecer, passado.
Bagagem rica de um viver sincero,
a gerar sentir, um desejar inquieto.
Coragem a buscar com nexo,
sonhar e garantir seu sonho.
Imprimir ao verbo um sentido novo.
No percurso da paixão, seu curso seguir.
Razão no fazer, de seu querer, potência benfazeja,
a buscar beleza, em seu criar diário.
"Curitibana, de nascimento e tradição, aqui cresci entre pinheiros e pássaros, amando a natureza, livre a correr pelos jardins, a trepar nas árvores do bosque, a comer frutas colhidas, no pomar, da chácara de meus pais. Quarta filha, em um grupo de cinco irmãos, fui muito feliz. Ali vivi, protegida das ocasionais feridas, sem sequer conhecer da vida sentimentos hostis ou de solidão. Família unida, religiosa, eu vivia contente a viajar para o litoral, no verão, frente ao mar, na casa de praia de meus pais onde se pode escutar a força das ondas do mar a castigar os rochedos, a nos embalar o sono, e cuja paisagem é de beleza sem igual.
Assim, não conhecendo literalmente o significado da palavra problema, me casei com vinte e um anos após cinco anos de um feliz namoro. Necessário dizer que foi um tempo bom, em que não precisei assumir as responsabilidades de uma casa, pois vivemos os dois, neste curto período do casamento, em um hotel da família, em um constante namorar.
Certo dia, ensolarado, como diria Freud, à Lou Salomé, sua discípula, um "raio de sol" ou Nietzsche, pois fui assim atingida pelos raios da paixão e sucumbi ao encanto, à alegria de viver, me sentia um ser luminoso, transparente e lúcida, de uma lucidez que tudo via como se à luz do dia. Senti felicidade, que acredito ser o destino natural do homem.
Ao sentir-me capturada por um outro olhar, por ele me deixei levar, e tomada de ousadia, e por sentir-me intrépida e corajosa, desejosa de ir além, ultrapassei fronteiras, a buscar amor, por caminhos não fáceis, porém vividos com muita luta e coragem a redimir ao olhar do mundo "um pecado imperdoável". Separada então, por sentir-me irremediavelmente apaixonada, vivi com meu novo amor um paraíso que parecia não ter fim. Viajamos por muitos lugares a desfilar por diferentes cenários nosso amor proibido, assumido, vivido intensamente, como, a lembrar de nosso saudoso poeta Vinicius de Moraes, "Que seja infinito enquanto dure, posto que é chama..." O tempo de uma paixão, dizem os poetas e romancistas, irá durar enquanto os parceiros forem capazes de oferecer um ao outro essa entrega que dá acesso de modo vital à capacidade de se encontrarem neles mesmos, de ser um mundo para si por causa do outro, em suma nessa fusão com o homem amado, somos remetidas, nós mulheres, a nós mesmas. Esta relação, após onze anos, acabou, nos separamos então, eu e ele. Dele, restaram as boas lembranças e a maior realização da minha vida, a felicidade de ser mãe de um amado menino, um amor tão grande e forte, ao qual incondicionalmente me entrego a cada dia.
Separada e só, me deparo com grandes dificuldades neste meu cotidiano, busco incessantemente dar conta do recado, pagar o preço desta minha escolha, sentida repetidas vezes, como um fardo pesado de carregar, mas certamente como um processo dinâmico em expansão, como o de reconstrução da vida, a me tornar tal peso, leve de sustenta, tal a liberdade que estou hoje a desfrutar".
A BUSCA DA FELICIDADE
NA
CIVILIZAÇÃO GLOBALIZADA
O que é felicidade?
Segundo nos aponta Freud e seus seguidores, felicidade é um estado de completa satisfação, em alguns casos, uma satisfação de um desejo ocasional, sendo que a civilização não nos parece um meio propício no sentido de que existem limitações impostas às satisfações mais básicas do ser humano, as instintivas.
Sendo o homem um animal racional, ele tem necessidade premente de satisfazer seus desejos instintivos, e por ser social, se vê obrigado a reprimi-los, ele é obrigado assim a respeitar as normas que o impedem de uma satisfação total, normas estas internalizadas desde o início de sua formação. Será, sob tal perspectiva, um eterno insatisfeito, atormentado por um mal estar do qual nem sempre se sabe a natureza e sob este prisma o sentimento gerado desta interdição, o ameaça em três direções: a do corpo, a do mundo externo e a dos inter-relacionamentos com os outros no seu convívio diário. O Ego se vê obrigado a prevalecer a si mesmo, a satisfazer suas necessidades sem preocupar-se muito com o outro, a buscar felicidade independente das leis. A esta impossibilidade, este ser sofre muito, vive em constante conflito entre o satisfazer as necessidades de ID e concomitantemente às exigências do meio, ou seja, a interdição da Lei: Superego.
O desejar o que não pode ser desejado, aquilo que lhe nega a interdição do pai - Lei- que lhe faz destino, um desejar nunca totalmente satisfeito, que o condena a buscar para sempre, um preenchimento total e impossível, um desejar que o lança no vazio, a um constante e perene desejar.
Segundo Freud, a civilização protege os homens contra a natureza e o ajusta a seus mútuos relacionamentos.
A família constituída deste desejo em ajustar os relacionamentos, encontramos desde os primórdios da civilização, desde os povos primitivos.
Freud formula a hipótese de que a família é o primeiro grupo social, decorrente de uma necessidade genital, instalada permanentemente neste homem primitivo, que percebeu a necessidade de manter junto de si o objeto capaz de suprir tal necessidade - a Fêmea.
Ela, por sua vez, desde então, procura manter-se junto ao macho mais forte, capaz de proteger tanto a ela, quanto a sua cria, sendo este apego da mãe por seu filho, por sua cria, ter-se intensificado tanto em alguns casos, a ponto de tornar-se crucial, a proteção deste filho, desta mãe devoradora, função paterna que muitas vezes faz o pai, neste contexto, correr o risco de ser interpretado como um tirano, um ditador nesta constelação familiar.
Tal família, assim constituída, dita civilizada, funções de mãe e pai estabelecidas, os desacertos, encontros a desencontrar casais a se separar por desarmonia ou por ver no outro, não seu companheiro, mas sim um terrível adversário, sentimentos contraditórios e persecutórios, tornando impossível uma convivência harmoniosa, tão contrária às necessidades de cada sujeito de atingir a tão sonhada felicidade.
A agressividade, o egoísmo inerente ao homem, à sua natureza, à sua sexualidade, que propiciou a formação familiar e das sociedades, hoje parece ser a causa também de sua dissolução.
É a vicissitude, contingência, da pulsão sexual, quer seja pela sua forma original, quer por sua inibição, em sua finalidade.
Freud, Lacan e seus seguidores nos transmitem, que o desejo humano deseja é ser reconhecido como desejo. Para que o outro reconheça meu desejo ele tem de se submeter ao meu desejo. Na medida em que nego o desejo do outro e tento impor a esse outro meu próprio desejo, eu procuro fazer ao outro, o que ele procura fazer a mim, comprovação da recíproca, que, nesse caso, é verdadeira.
Segundo alguns psicanalistas, sociólogos, filósofos, pensadores de nosso atual cotidiano, em seus discursos, apontam que hoje a liberdade de um, não começa onde termina a do outro, como nos faziam acreditar os iluministas, mas sim na ausência, de um agente observador externo às relações, isto é: "a liberdade de um começa onde começa a do outro".
O individualismo então a imperar hoje, a levar os sujeitos a uma busca do sensual, do prazer, do bem-estar, faz do homem e da mulher, em sua possível parceria, acima de tudo um condutor a levá-los a preencherem seus dias, suas carências afetivas emocionais, a transformá-los em sujeitos solitários e consumidores reflexivos inteligentes do utilitário, fator que se propaga, nas democracias de regime capitalista, totalitário, levando-os a um produzir desenfreado, para um muito consumir, neste atual mundo globalizado.
Eliana Codespoti Teixeira de Freitas é psicóloga clínica, ocupante da Cadeira n° 12 na Academia Feminina de Letras do Paraná e este é um capítulo do livro Ana e Anas - enigma feminino, 2005.
Os acasos visto por quem sabe poetizá-los...
E seguimos buscando a tal felicidade